sábado, 27 de agosto de 2011

Borges, os livros e os tigres

Há muito tempo eu vi, num jornal, a reprodução do desenho de um tigre que Jorge Luis Borges fizera aos quatro anos. Desde então eu pensava em fazer uma caricatura na qual ele, perto do fim da vida, voltasse a repetir aquela figura, como um retorno à infância. Tentei algumas vezes, mas os resultados não me satisfizeram.
Recentemente, lendo o excelente artigo A poesia como exercício para a imaginação de Maria Esther Maciel (Revista Entrelivros/Entreclássicos - Jorge Luis Borges. São Paulo: Duetto Editorial, 2009, v.10, p.49) topei com o seguinte esclarecimento: Na conferência "A cegueira", proferida em 1977, em Buenos Aires, e posteriormente incluída no livro "Sete Noites", Jorge Luis Borges conta que, quando criança, gostava de se colocar diante da jaula de um tigre no zoológico de Palermo para contemplar o dourado e o negro do pelo do animal. Revela que, desde então, passou a ter um explícito fascínio pela cor amarela, a qual nunca o abandonaria, mesmo na cegueira. Como ele explica, o amarelo foi - ao lado do verde e do azul - uma das raras cores que continuou a ver depois de ter perdido quase toda a visão. Essa associação entre o amarelo, a cegueira e a imagem do tigre já havia sido explorada pelo escritor argentino alguns anos antes no poema "O ouro dos tigres", que encerra o livro de mesmo título, publicado em 1972. Nele, assumindo um "eu" reflexivo e memorioso, Borges mostra como o "poderoso tigre de Bengala" de sua infância, desdobrado em outros tigres "do mito e da épica", acabou por se eternizar para ele como uma cor. Nas palavra do poeta: "Com os anos foram me deixando / As outras belas cores / E agora só me restam / A vaga luz, a inextricável sombra / E o ouro do princípio".
Por uma maravilhosa coincidência o desenho infantil de Borges ilustrava o ensaio. Era o estímulo que faltava. Assumi o risco e o resultado aí está: dentro da biblioteca (infinita?) um tigre (eterno?) observa o velho escritor, quase completamente cego, repetindo o desenho da infância; uma luz amarelada ilumina a cena.

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